Eu tenho um problema. (Jura?)
Na verdade, eu tenho muitos problemas, mas o problema a que me refiro nesse texto é uma questão de sobrevivência. É, eu sofro de vampirismo, zumbinismo ou sei lá como se chama isso.
Ou seja, eu funciono muito melhor à noite.
É impressionante como o meu rendimento fica absurdamente melhor na madrugada. Eu trabalho melhor a noite, eu me sinto mais disposta a noite...eu me sinto à vontade vivendo a noite.
Acho que tem esse lance do silêncio que me fascina, saber que a maioria das pessoas estão dormindo, é poético, é inspirador e é tão, tão....sofrido.
Pessoas como eu sofrem. Simplesmente porque, no geral, a vida acontece de dia.
Na verdade existe essa dualidade que me intriga: viver melhor a noite mas se sentir culpada por isso.
Pois é. Porque assim, não é que eu não goste do dia, pelo contrário, eu adoro o dia, o sol, as pessoas caminhado por aí. Eu gosto de verdade.
Mas a noite me compra. Definitivamente. Quando eu tento acordar cedinho, curtir o dia, enfim me entregar mesmo de corpo e alma, vem uma parte de mim, uma parte ciumenta e possessiva que diz: "O quêêêê? Vai abandonar a noite? Jamais conseguirás".
E no fundo acho que essa vozinha está certa.
Apesar da vida pulsar com o sol, a noite é extremamente mais misteriosa e interessante. Eu como boêmia que sou não poderia deixar de me sentir atraída.
Fiquei aqui recordando quando eu ganhei esse hábito noturno. E me dei conta de que desde nova (ou pelo menos desde que me dou por gente) que gosto dessa danada.
Sempre tive uma dificuldade monstruosa para levantar da cama. Com os meus 7, 8 anos eu fazia balé ( lógico) e até que me saía bem viu. Boas notas no boletim, dedicação, jeitosinha mesmo. Mas a verdade é que com o tempo eu realmente acabei cansando daquele negócio de "pliê, elevê" as 7h da matina. Fazia balé na Tatiana Leskova e sim, abandonei porque queria dormir. Acho uma causa justa.
A aspira inventou um caô para a mãe que o balé estava atrapalhando o rendimento na escola e pediu pra sair. Aliás, ali começou a minha decadêcia no quesito "atividade física" e o meu triunfo noturno.
Eu gostava de ficar no meu quarto, arrumando minhas coisas ( outra mania antiga, rs), mudando móveis de lugar, ouvindo música. Muita música, inclusive.
Morava de frente para uma mata enooorme, então era ótimo ficar ali ouvindo música, só o abajur ligado, escrevendo.
Minha família dizia que o meu quarto era o meu mundo. "O mundo de Vanessa", eles gostavam de repetir. A combinação "cantinho só seu"+ imaginação + música + noite me rendeu boas lembranças solitárias. Aliás, outra coisa que sempre gostei muito. A solidão não é uma coisa ruim se você gosta da sua própria companhia. É deliciosa na verdade. E eu acho que eu não teria conseguido nem escrever e nem viajar na maionese do jeito que eu fazia ( e faço) de dia.
Ok, na verdade viajar na maionese eu até consigo fazer de dia, rs, mas a noite as viagens são mais assim, hmm...interessantes, talvez.
De dia é aquela coisa: Too much noise, too much light, too much information. A cabeça não pára.
A noite te dá essa liberdade poética de pensar além do óbvio.
Crie-se na noite e você vai ver quantas coisas incríveis você fará.
Nessa retrospectiva noturna lembrei de todas as vezes que eu estudei na madrugada para provas, no colégio e na faculdade, das vezes que virei noites trabalhando, das histórias hilárias dessas noitadas por aí.
Se eu me deixar levar eu só vou dormir quando o sol começa a empurrar o pretão do céu pra longe.
E mesmo com essas contradições e troca de horários, não me arrependo.
O lado bom é que se eu for pro Japão é muito provável que eu não sofra com o fuso.
Ou sofra, já que vou sentir falta de ficar acordada à noite. É, pode ser...
Eu cresci na noite. Assim foi, é e será.
Boa noite.