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quinta-feira, 2 de agosto de 2012

. A carta


Oi. 


Eu estava tentando escrever aquela carta. Pensei em um milhão de palavras. Lembrei dos lampejos de genialidade, dos silêncios, da chuva que me incomodava, das paisagens pela janela, daquela música que a gente cantou muito alto no carro.
Engraçado como a arte sempre representou tão bem nossas personalidades.

Eu ri e chorei secretamente naquele sábado de sol, naquele domingo de chuva e também naquela viagem que fiz só, simplesmente porque desligar de tudo que me enraízava era necessário.
Eu diria até que era urgente.

Quanto menos se conhece de um lugar, mais se descobre de si.

As caminhadas olhando os detalhes, os rabiscos nos papéis, as palavras anotadas no celular, o momento em que o caminho bifurcou.
As noites em que o álcool foi praticamente um ser vivo, o terceiro elemento que nos animava, que jogava mágica nas maiores furadas do mundo.
A carta ficou pela metade. Virou um email. Que virou uma mensagem. E aí chegou a virar um longo texto no whatsapp.

Resume, estica, apaga, reescreve, começa, apaga, ri, chora, ri, apaga, começa.

Fui viver e olhar os reflexos de outros seres que assim como eu também buscavam palavras de conforto e dias de satisfação.

A mágica. O brilho. O riso. 

Eu voltei nas lembranças e elas não pesavam mais. Pude caminhar e enxergar até aquelas dores com outros olhos, como alguém que assiste à um filme em 3D.
Corri por todas os momentos com os braços abertos. Pude sentir cada memória passar por entre meus dedos. O vento cada vez mais forte, meus olhos fechados, eu saltei.

Abri os olhos e estava aqui.

A carta já estava endereçada. Incrivelmente cada sentimento coube naquele espaço tão limitado.
Como pode?
Segurei-a com as duas mãos, encarei o endereço por algum tempo.

Então senti um estalo e percebi que a carta tinha sido escrita à quatro mãos.
Dois endereços se mesclavam.
Duas imagens refletiam no vidro sensações parecidas, sentimentos similares.

Larguei a carta.
Não havia mais nada a dizer.